Vamos acelerar! Ou andar um pouco mais devagar? Não sei ando confusa demais... Já sei, experimente as duas opções!

Não sabia bem, o que podia, e o que não. Gostava mais do que não devia. Queria nadar de noite, no escuro, quando não tinha ninguém olhando. Nadava na lagoa sem roupa. Gritava alto para que ninguém a escutasse. O eco devolvia-lhe uma pergunta sem resposta. Acostumou-se a falar sozinha. A gostar de enigmas. Ainda muito pequena para entender que pesadelos não existiam. Seres estranhos, que davam o ar de sua graça apenas na calada da noite escura, habitaram por muito tempo a parte inferior de minha cama. Apareciam, de sobressalto, apenas quando as luzes se apagavam, fazendo os ruídos mais assustadores. Apesar dos pesares, escolho os monstros horríveis caolhos, gigantes e peludos que viviam debaixo do meu leito, àqueles que pululam na minha cabeça hoje em dia.
Você tem medo de fantasmas menina? Não. Não tenho medo daqueles que já se foram. Assustam-me os que aqui vivem. Mas se de qualquer forma vamos viver trancafiados vivendo com espectros do que poderia vir a ser, ou do que qualquer forma foi o que poderia ter sido... Se assim tivesse sido... Se você assim não tivesse agido... São memórias... A dor do outro é sempre tão óbvia. Tão simples de explicar. É tão fácil ser rude. Encontrar a sensibilidade anda tão raro, é garimpar na selva de pedra, com pessoas cada vez mais endurecidas.
Ando em um triciclo: passo por um terrível momento de sofrimento (seja ele qual for, amoroso, financeiro, existencial) busco infinitamente uma definitiva resposta para aplacar este terrível sofrimento e garanto o alívio imediato de minha dor. Caminhando em círculos trifásicos, minha mente inventou um dialeto próprio, provém daí minha dificuldade em comunicar-me com a mesma espécie. Acabou em uma incrível fórmula: Sofrimento Terrível + Definitiva Resposta = Alívio Imediato.
Por favor, doutor, eu gostaria de um quilo de algo que pese, ou seja, leve, não sei, estou em dúvida, é dúvida, aquilo que temos quando já não temos mais certeza de nada que antes achávamos que seria assim para sempre, sei, sim, para sempre é muito tempo mesmo, tempo, concordo, é relativo, você tem o seu, eu tenho o meu, concordo, é que tenho muito dor, uma dor estranha, ela não passa, não tem explicação, já busquei em todos os lugares, pessoas, substâncias, cores, tamanhos, espessuras, livros, músicas, poesias, jornais, letras, fotos, viagens, movimentos, se me esqueci de alguma coisa, por favor, ajude-me a lembrar, também o intenso fluxo de pensamento acaba intensamente atrapalhando, não sempre, mas às vezes, sinto-me estranha, cansada, não sei, não consigo respirar, nem falar, falta algo, é que, também, sobra, não sei, são as vírgulas, os pontos, os travessões, entende? tem a língua, o inglês, tem que estudar o português, espanhol, italiano, francês, se não, não consegue... é muito conhecimento e não sei, será que é possível, um pouco, de vez em quando, tirar umas férias, da própria cabeça, eu já tentei muito, sabe? habitar outros corpos, como assim? corpos doutor, o senhor deveria entender melhor de corpos do que eu, de outras pessoas também, mas falo especificamente do meu, ah! não sei, uma maquininha de parar pensamento, entende? mas como não acredito em espíritos não sei, não consigo, tenho que ficar nesse mesmo, por isso sou assim, já fui tantas, olha bem doutor, veja bem, não fui sempre assim, claro doutor, já fui criança, eu sei, as pessoas crescem, é normal, não é disso que estou falando, entendo que todos passam por fases, não me venha falar das passagens... acho isso um puta saco... é muita teoria, eu ando precisando viver doutor, é, andar, sabe, pessoas entre pessoas, coisas entre coisas... ver, ouvir, tocar, experimentar... acho que ninguém, no fim, tem a palavra final, é doutor, sim, mas foi o sartre que falou, eu entendo, não vou teorizar doutor, mas o que faço com tanta teoria? já sei doutor, vou colocar tudo numa caixa e dar de presente pro senhor, aceita? como não? o senhor não pode me deixar nessa sozinha... sim, sei, que no fim estamos sozinhos mesmo, não, não estou sendo pessimista doutor, está bem, como assim? mas já? está bem então, passarei mais uma semana tentando descobrir o sentido de tanta teoria. até mais.

Comentários

Adriane Hagedorn disse…
minha não tão vasta [mas intensa] experiência me mostrou que homens tremem de medo de Sartre. deve ser por isso que o doutor não entendeu tão bem as tuas palavras.

no meu blog tem um post de 25 de julho que fala de um outro espécime que faz xixi nas calças ao ouvir falar de Sartre.

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vou subir em um ponto alto e gritar:
- há algum existencialista por aí?

decidido.
daqui pra frente vai ser assim!!!

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