Ser ao contrário é virar peça de colecionador: Sofia sente-se obsoleta

Eu começo do fim. Nunca consegui chupar a bala até terminar. Sou meio avessa. Vejo a menina que chega aos vinte sabendo o que quer. Eu nunca soube. Sempre quis tudo, e por querer tanto, acabava perdendo muito pelo caminho. Tentava abraçar mais do que os meus braços agüentavam. Eles bem que tentaram se adaptar... Em vão. Não reclamo, corri bem livre, mesmo sentindo-se presa. Algo era estranho. Puxava-me para baixo, ao invés de para cima. Nada oculto, e sim, abstrato, raro, vazio. Tentava buscar, não entendia, em mim, nos outros... Sentia-me desaninhada, desalinhada.
Desajustada muitas vezes. Se eu te falo é para que me escutes, se eu te olho é para que me vejas! Acho que nunca entendi bem as relações de troca. Pode, sim, ser falta de paciência. Talvez. Dizem-me: andas desiludida com a vida. É que lamento. Lamento informar que sou feliz de ter outra perspectiva. Não me satisfazem tantas idiotias. Hoje entendo que nunca me completaram. Já tive uma maior capacidade de tolerar. Hoje não digiro aquilo que não gosto. Tenho náuseas. Intensas. Assim como eu. Sempre soube. Apenas não sabia respeitar. Dar o devido tempo. A cabeça dialoga o tempo inteiro: perfis conflitantes que não se calam e clamam por coisas distintas. O que fazer?
Desperto, com meu despertador mudo, para me acordar, vibra. Não de felicidade, apenas cumpre sua banal função matinal. Ontem resolveu, por vontade própria, refrescar-se na pia. Amanheceu rouco. Creio que faltaram-lhe algumas horas de sono. Sempre pronto, pontual, trouxe-me as boas novas da manhã: “Eu hoje não irei à aula”. Tudo bem! Sem carona, pronta, saio felizmente, rumo ao ponto. Da esquina avisto o ônibus vermelho. Certamente é o meu. Ainda longe, nem me dou ao trabalho de correr. Chegando mais perto percebo que o veículo em movimento era laranja, estava do outro lado da pista, indo evidentemente no sentido contrário ao meu de costume. Ônibus tem o poder de despertar em mim a síndrome da pior reação. É quase um alarme que soa...
Algumas pessoas têm essa mesma capacidade... Me vejo em cada situação... Penso, muitas vezes, em viver isolada numa montanha. Tamanha a dificuldade encontrada em conviver entre seres humanos. É aquela história do colecionador: o que define a coleção é a sutil diferença que um objeto tem do outro. Mais uma vez na eterna recorrência de explicar para alguém o porquê: “Olha, entende, não é que não dê certo. É que eu estou em um momento, e você, em outro. Não, eu não acho isso ruim, acho ótimo, querido! Não acho ruim, apenas falta de educação não ligar para uma pessoa quando foi você que a convidou para sair com uma semana de antecedência! Isso não tem nada a ver com compromisso. Não, você não me deve explicações. Não, não temos nada sério! Séria é a MINHA vida! Sim, sou muito chata! É, insuportável!"
Não, não podemos ter a mesma idade. Cronológica talvez. Sorte sua ser bonito. Há algum tempo entrei pro movimento: “Terapia só pagando”. Realmente, o inferno são os outros. Entendo a paciência. Talvez ainda não tenha adquirido a quantidade suficiente. Alguém me diga onde posso comprar? Talvez eu realmente tenha tentado, por um tempo, falar para quem não me entedia. Talvez ainda fale para quem não me entende. Agora, falo, falo e não sinto. A troca é nula. Faz algum tempo venho escolhendo outro tipo de pessoas. Isso não quer dizer que elas são mais especiais. Nem que eu sou. Mas torna as situações diferentes. O fácil nunca me atraiu. Não tem graça. Passa em branco e não dá frio na barriga. Escutei de uma amiga que me conhece desde criança: “Você sabe que nunca foi, assim, normal”. Poisé, talvez sempre tenha sido diferente. Sempre destoei. Gosto de ser assim. É que de vez em quando, preciso de alguém para dizer que vai ficar tudo bem. E cada vez mais, encontro menos.

Comentários

Adriane Hagedorn disse…
Sofia,
obsolescência é uma palavra que não combina com você!
e sim, tudo vai ficar bem.
um beijo.

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