Dança, dança, flutua. vai sem medo, tem bastante ar, e no final... pode dormir tranquila

Não quero dormir. Nunca mais. É quando estou no limiar tênue, do quase entrar no transe profundo do sono, que tenho meus melhores pensamentos. Gostaria de acoplar uma máquina no meu cérebro para que minhas palavras fossem registradas na velocidade do meu pensamento. Acho que alguém já pensou nisso. Não sou nada original. Pretensão alguma tenho de ser. A solidão maior do mundo é entrar em contato comigo mesma. Voar, voar. Para longe. Poder voltar dez anos e aconselhar aquela menina assustada, de olhos arregalados e chorosos, não entendia bem o que estava se passando. Mas tudo bem. Não me arrependo de nada. Nada. Tudo bem, talvez de algumas coisas. Ninguém nunca me fez uma música. Nem uma poesia. Eu continuo a datilografar textos. Meus piores relacionamentos me inspiram a escrever. Utilizo uma máquina de escrever laranja, pequena. É uma herança de minha mãe, que por sua vez, herdou de seu pai, meu avô. Costumava ficar guardada em uma estante branca, na última prateleira. Bem empoeirada. Certo dia, resolvi assoprar o pó. Fiquei observando as micropartículas contra a luz. Lembrei-me de quando era criança. Ficava um tempo de deitada na cama de manhã, logo que acordava. Abria a janela, ficava olhando a poeira contra o sol. Eram milhões de pequeninos seres dançando, formavam uma faixa vertical fina, meio dourada. Belíssimo espetáculo. Gostava quando o mundo ainda não tinha poeira. Quando ainda admirava o cinturão de ouro que hoje me faz espirrar. Agora ele tem nome. É uma doença crônica: rinite alérgica. Talvez, há um tempo atrás, começaria esse texto dizendo: “Quero dormir para sempre”. Existem males na civilização. Pessoas insuportáveis, que machucam. Vazios jamais supridos. Promessas feitas e não cumpridas. Caminhos traçados e nunca seguidos. Creio que já passei por algumas coisas. Sei que cada um já passou pelas suas. Cada dor, para quem sente, dói mais. Quando não consigo respirar, não adianta. Não existe oxigênio injetável. E essa substância não está em falta, muito pelo contrário, abunda pelo planeta. É que ela sozinha, não cura.

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