Contos de Verão: Sofia encontra a tequila, o sorvete e, talvez, o cara

“Vamos! Vamos dar uma volta. Você anda muito desanimadinha”. Saí, mesmo sem a menor vontade. É aquela coisa, te ligam, você quer ficar em casa, acaba saindo para ver se o mau humor melhora, no fim, piora. “Está bem, passo aí, iniciando o trajeto de recolhimento dos corpos”. “Corpos”: referência ao estado de espírito catatônico em que eu e minhas outras amigas nos encontrávamos. Primeiro eu, depois as outras. Lindamente trajada: vestido justo, decote, sapato bico fino, rímel. Nada aplacava a terrível cara. “Veja bem, está tudo bem!” Sim, tudo ótimo. Não tenho do que reclamar. Minha vida anda calma. Tudo em ordem. Sabe, assim, certinho? Arrumo o quarto e tudo fica certo. Ah! Eu sei, posso bagunçar tudo, e depois arrumar de novo, daria um pouco de trabalho. É, trabalho inútil mesmo. Também não tenho mais crises, sabe? Aqueles mega-transtornos! “Você não tem do que reclamar então” Não, não tenho.
Os corpos reunidos na mesa do bar falaram, falaram. Cada um sobre os seus problemas. O falatório era tanto, e ao mesmo tempo, que, no muito das vezes, tenho dúvidas, se em realidade, alguém se ouvia. Era uma espécie de exorcismo mútuo. Em alguns momentos frases soltas como: “É isso mesmo, não acredito, desencana, não vale a pena” batiam-se de frente. Um diálogo desconexo. Estava tudo meio desprovido de sentido. De gosto. De graça.
Sem planos, despediu-se e saiu caminhando. Fazia muito calor. Escutava uma canção que não parava de tocar na sua cabeça: Can’t you see I’m trying? I don’ even like it. I just lied to get to your apartment, now I’m staying here just for a while I can’t think ‘cause I’m just way too tired... Observava bem as folhas nas árvores. Não balançavam nada. Não ventava. O ar era denso. Assim, uma falta de ar. É no exato momento, quando você espera, que nada acontece. Já sem os seus vícios, não sabia o que fazer. Séria mentira. Sabia muito bem. Estava era bem de saco cheio do marasmo da cidade grande. Nem as grandes angústias a angustiavam mais: “Estou perdendo meu ser”. Suas crises haviam virado piadas de mesa de bar: “Acho que venho sendo muito estranha, Ah! Vai ver se eu estou sendo lá na esquina!” Essa coisa do ser soa confuso.
Era cedo. Esse horário de verão da uma sensação de “ainda é cedo”, mesmo quando já é tarde. Não sabia que horas eram, porque não usa relógio, e tampouco lhe importava. Errante, caminhava. Nem percebeu quando foi tragada para dentro de um bar. Quando percebeu já estava sentada em uma mesa sozinha e havia pedido uma tequila: “Moço, tem que ser com limão!”. Como era bom estar sozinha. Legenda: Que saco estar sozinha sábado à noite em um boteco fuleiro tomando tequila! Sem problemas - capacidade ainda altíssima de ignorar as legendas.
Uma, duas, três. Na quarta tudo já estava bem melhor. Não entendia, mas a sensação indigesta havia magicamente desaparecido. Já não queria entender mais nada. O mergulho profundo na sensação era realmente a chave da realização. Como não havia pensado naquilo antes? Será que não? Mas já estava pensando de novo, que saco! “Moço, por favor, mais uma tequila, aproveita e traz a garrafa!” Pagou o que devia, um pouco mais, talvez, e saiu. Lembrou-se de quando era pequena na escola. Do menino que gostava. Costumava mandar bilhetes para ele: “Felipe, gosto de você”. Não assinava, tinha vergonha. Ela sentava na primeira carteira. Ele na última. Pedia para o menino de trás ir passando até chegar nele. Nunca obteve uma resposta. Ficou bem triste, chorou por quase uma semana. Foi quando veio a descobrir, por intermédio de uma amiga, que o tal menino que sentava atrás, morria de amores por ela. “Idiota. Além de covarde, por nunca ter falado comigo, destruiu minhas chances com o Felipe!”.
“Nunca mais. Hoje não perco a minha chance”. Afinal, ele era o cara. Foram meses de investimento, conversas e planos. Sempre os planos. Projetos arquitetados na sinceridade insensível que somente seres fugidios como eles entendiam. De tão escorregadios, viviam perdendo-se um do outro. De fato, grudavam-se no que sabiam fazer de melhor: fantasiar irrealidades. Decidida, dirigiu-se a casa dele. Não podia chegar assim, de mãos abanando. Não estavam vazias, carregava, ainda, a garrafa de tequila, quase vazia. Teve uma brilhante idéia: “Vou passar na padaria e comprar um sorvetinho”. Para amenizar o calor que quase fundia, nada mais refrescante do que sorvete com tequila. O que poderia dar errado?
Rumou em direção ao prédio dele com aquele sorvete derretendo. Olhava aquela massa amorfa transformando-se em algo que, dali por diante, só poderia ser utilizado para cenário de filme trash. Chegou à portaria do prédio. O porteiro perguntou:
- A senhora está bem? Parece-me um pouco tonta.
- Eu? Estou ótima!
- E gostaria de falar com quem?!
Foi aí que se deu conta. Nunca havia falado com ele. Sentiu-se ridícula como nunca na vida. O sorvete amorfo, a tequila.
- Senhora, tem um limão no seu cabelo.
- Ah, obrigada! Por favor, é aqui que mora o senhor O.?
- É, sim, senhora.
- Ele está?
Ela queria sair correndo, mas o coração batia tão forte, a respiração era tão intensa, que qualquer movimento seria impossível.
- Está sim, como é o seu nome?
Nem ela lembrava-se mais do próprio nome.
- Pode dizer que... Olha moço, por favor, eu sei que é contra as normas, mas eu preciso fazer uma surpresa para essa pessoa! Está vendo esse sorvete aqui? Então, eu sei, já derreteu... Mas é que hoje é meu aniversário, e todos os meus amigos esqueceram, então, eu saí, assim, para comemorar, e preciso falar com o senhor O., é algo muito importante para mim, posso subir? É eu sei, no meu aniversário as pessoas deveriam fazer surpresas para mim, mas eu sou assim, adoro surpreender os outros! Ah, muito, obrigada moço!
Is this it?

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