London Calling ou qualquer outro lugar

É o fim do mundo, desculpe, me enganei, é o fim do mês, ou talvez nem isso ainda. Apenas um daqueles dias em que nada faz sentido. Você está bem, as coisas andam bem e o universo continua girando no mesmo fluxo, até porque isso independe da sua vontade. Celular sem crédito. O bilhete único sem carga. A conta quase sem dinheiro. O saco estourou. Ah! Isso você não tem. E não vê faz tempo também.
Pensa, pensa, e na profundidade do seu ser nunca entende coisas que realmente gostaria de entender. Pensa em se tornar tosquiadora de ovelhas na Nova Zelândia. Lá se dedicaria a um novo estilo de vida, lindamente bucólico, longe das contaminações dos males da civilização moderna. Enfim, acalmaria o espírito transtornado.
Admirou de longe seu conto de fadas romântico, suspirou segundos no faz de contas que não existe. Sou viajante de mim mesma. Levo-me para onde for. Meu físico carrega minha alma. Dissociação impossível. Quero viver, experimentar. Colocar a mão, tocar, sentir. Mergulhar de cabeça em uma piscina e quase me afogar para sentir que ainda estou viva. Recobrar o fôlego desesperadamente, como se nunca mais na vida fosse.
Não acredito mais em drogas, baladas, ou em meninos bobos para me darem essa sensação. Tudo isso é vazio imediatista que não me basta, é mentira passageira que não preenche e só deixa mais vazio. Construo algo que é meu, meio invisível, demora, dá trabalho. Poucas pessoas ajudam, porque o problema é meu mesmo. No caminho percebo que pouquíssimos são os que realmente importam. E alguns vão estar ali nos momentos mais difíceis. Vivo feliz de não querer gente chata na minha mesa, escolhendo com quem ando, e não fingindo que todo mundo é legal. Não é fácil discordar, o processo é conflitante, dolorido. E como me disseram, ninguém está aí para passar a mão na cabeça de ninguém.
Já fui histérica, gritei e chorei. Muitas vezes, ainda, fico triste e me sinto a pessoa mais sozinha do mundo, mesmo em um lugar cheio de gente. A diferença da fase histérica é que, primeiro, consigo respirar. Segundo, consigo me comunicar, não preciso me machucar para exteriorizar sentimentos conflitantes. Tenho a habilidade de relativizar, visualizo o processo com maior facilidade.
Segurança e felicidade não existem, não da maneira que eu buscava, prontas, fechadas em uma caixa, com laços e fitas. Felicidade e segurança se constroem. Felicidade instantânea é mentira. Propaganda enganosa. Publicizar aos gritos e validar alegria esfregando na cara dos outros a sua própria “vida feliz” é tão patético e inseguro quanto achar que a felicidade encontra-se em Londres, Paris ou Amsterdam. Insatisfeito está você. E não esqueça. Você irá se despedir da sua família no aeroporto. A sua pessoa embarca no avião e desembarcará rumo a esse fabuloso destino construído na sua fantasia. Lá haverá um dia-a-dia real, com contas para pagar, pessoas de verdade, aulas para assistir, rotina, comidas estranhas no supermercado, vizinhos, dias de chuva, cachorros latindo, gente olhando feio, uma língua que não é a sua, um país que não é o seu, as dificuldades de adaptação, a construção da sua vida concreta. Sonhar é fácil, construir a vida de verdade é que dá trabalho. O imaginativo é sempre mais gostoso.
Agora, se você decidir ir pra Nova Zelândia, quem sabe não me encontra lá tosquiando ovelhas...

Comentários

Nua & Crua disse…
Encontrei seu blog nos favoritos do computador, exatamente no momento que desejava escrever sobre sentimentalidades, minha sensibilidade no ponto de perceber outras sensações traduzidas em palavras. Gostei dos seus textos, consegues traduzir muito da angústia contemporânea que assombra nossa geração.

Abs
Ana Maria
Unknown disse…
Amei...
Beijos
Silvana

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