Sofia atua fora dos habituais roteiros de filme de terror: existe vida após a morte (seu coração voltou a bater, mas não avisem, pode se assustar!)

Ps.: Notas encontrdas em um caderno secretamente escondido embaixo do colchão de Sofia. Há anos repousava ali, as páginas amareladas, empoeiradas, cheiravam a mofo. Felizmente, alguém encontrou a chave, e consegui adentrar neste, antes, impenetrável universo.
Enquanto isso, recupera-se, de seu provável, e possível, atropelamento, no hospital. Sofre de dores musculares, acalmadas por fortes doses de analgésicos. As da alma, entretanto, já não lhe machucam tanto, contrariando o hábito.
"Ando em outro mundo. Não ando, vôo. Não quero saber de nada, do que é real, do que não é. Não me venhas com conversas, com realidades, com inverdades, para mim, isto já não importa. O que sinto vai além, é verdadeiro, vem de dentro, me completa, é real.
Sinto-me boba, dou risada à toa, sorrio para estranhos, sim, pairo idiota. Até drogada, poderiam dizer os mais inquietos. Sem preocupações, acabaram os problemas, cumpri minhas tarefas, entreguei os projetos no prazo.
Ontem de noite, usei o meu vestido de tule. Eu era a mais linda da festa. Ninguém leu meus textos. Todos foram devolvidos. Em realidade, deles foi feita uma bela chuva de papel picado na Avenida Paulista. Intensamente belo, bailávamos. Depois de brincar de faz-de-conta, de conto em conto, decidida embarquei no nosso espetáculo, sem interferências. Me olhas e me vês. Despiste meus óculos escuros. Não sei de onde vem a coragem, não me perguntes, não tem explicação, tampouco quero saber. Transito aos poucos para um mundo sem vertigens, sem fantasmas. Minhas assombrações estão silenciosas.
Aqui ninguém grita, sei que posso acreditar em ti, quando olhas no fundo dos meus olhos; eu me vejo lá no fundo dos teus. O que aconteceu? Dessa vez tenho coragem de enxergar, não estou encerrada em mim. Nossos mundos conversam interligados, em uma harmonia que jamais acreditei existir. Posso falar minhas frases de efeito, as mais bregas, de filme de terror. Na minha cabeça, elas funcionavam como verdade. Porque eram de verdade. Eu vivia num filme. Agora não estou sozinha. Tenho alguém para rir de mim. Para transformar minhas tragédias em comédias, assim elas não ficam tão pesadas, tão doídas. Vivo outras músicas, respiro outros ares. Escutamos juntos outras trilhas sonoras, mesmo que sozinha eu ainda escute minhas músicas adolescentes. Sabemos que, no fundo, todos foram influenciados pelos Beatles.
Gosto de ver os teus olhos, tristonhos quando saio pela porta. De saber que te faço bem. De sair da minha casa sorrindo porque vou te ver. De passar noites na tua casa e voltar para a minha, sorrindo. De falar bobagens e brincar. De falar coisas sérias e pensar. De saber que me entendes, que te entendo. De saber que nosso mundo faz sentido, que o mundo faz sentido. De saber que, abraçada contigo, durmo em paz."

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