Sofia desfila seus pensamento por avenidas já por muitos navegadas, quer saber onde andam os que muito pensam fora dos círculos, os viciosos/viciantes

Fazia hora no terminal rodoviário. Observava ao redor. Uma senhorinha de cabelos brancos, presos em um coque descabelado, camisa listrada surrada, saia de flanela xadrez até o joelho, meia soquete preta e um sapato boneca. Quase mesmo sem esforço imaginativo, desenhar-se-ia perfeitamente numa cena do mundinho fake underground, dessas bem clichês, um barzinho indie qualquer da Augusta. Mas seus olhos já carcomidos pela tristeza lhe denunciavam. Submundo para ela era outra coisa, difícil de ser explicada para quem não acorda pensando em limpar a sujeira do dia passado.
Gostava de ver, confirmavam seus olhos arregalados, olhos que tragavam o mundo. Recostada na cadeira, escutava canções que a transportavam para décadas que, apesar de jamais vividas, eram sentidas, ausentes, como suas. O ônibus chegou. Queria entrar, acomodar-se e sonhar.
Demasiado academicismo, demasiadas náuseas, estava tendo pesadelos:
“A fotografia é apenas o objeto material que utilizo para explicar teoricamente o que quero dizer. Muitas vezes, não há necessidade de desenhar, os rabiscos já estão feitos. Basta olhar de outra perspectiva. Sem a interação dos corpos, pense nas revistas de moda, a imagem perde o significado; que importância terá a tinta impressa no papel sem relação com o leitor? Será um objeto estático. Cada um, sempre, olhará e entenderá o mundo de uma maneira; é a possibilidade de escolha que gera o que chamo de multiplicidade de visões, visões caleidoscópicas.”
- Oi, está vago? É claro que está. A única coisa que não está vaga é a minha mente, cheia de intenções. Não quero me desligar, me deixa. Só quero ficar aqui, sozinha, sem interação, ouvindo o som.
- Ai! posso sentar? É que a viagem é tão longa... Não gosto de ficar sozinha. Gosto de conversar, você não gosta?
Olhou para os lados, para trás. Viu o vazio, claro. Já sentada, a mulher continuou:
- Você faz o que?
- Estudo moda.
- Ah, mas que interessante! É modelo?
- Não.
- Manequim?
- Também não. Digamos... uma coisa mais teórica, história da indumentária.
- Ah! entendi. É estilista?
- Não, não.
- Já sei! Algo a ver com corte e costura?
- Poisé... então.
- Mas magrinha assim, devia ser modelo, nunca desfilou?
- Não, nunca.
- E nunca viu nenhum famoso? Da Globo?
- Olha, conheço algumas pessoas que freqüentam.
- Não acredito! Sério? E como é esse mundo fashion?
- Nem te conto!
- E as festas, você vai a muitas festas, é essa loucura mesmo?
- Loucura!
Pensava nos círculos, tudo estava redondo: eram os desenhos. “Professora, queria te dizer que acho que você não tem uma didática boa para apresentar seus powerpoints. Como eu sou excelente nessa parte, posso te dar uma ajudinha”. Excelente, obrigada. “Professora, na intenção de demonstrar a minha excelente criação artística, desenhei nessas telas o reflexo mais puro da semiologia. É um desenho semiótico, professora!”. Eu olho, vejo círculos, são bolas de variados tamanhos e cores fluorescentes, desde o pink, passando pelo verde cítrico, até chegar ao amarelo fluo; quase me esqueço do laranja neon.
Pensamentos fechados, anestesiados. Está ficando sem saída. Indagar fora do senso e pensar no INcomum virou piada. Feliz de saber que o dicionário existe para sanar dúvida: sua, dos outros - que a sua é a dos outros. Aviso: existe vida além dele, também. Fiquei sabendo por aí que os professores não têm vida, são amargurados e, como se não bastasse, ganham mal. Já não entende porque estuda história da indumentária. É, para que serve a roupa? Nada. Vamos andar todos nus. Contribuo parando de corroborar esse mundinho fútil. Na tentativa de explicar coisa alguma coisa:
- Abra uma revista de 1950, lá você encontrará o estereótipo perfeito da dona-de-casa dos anos 50.
Na dúvida de entender coisa alguma - tudo aquilo soava estranho ao seu mundo -, a menina pergunta:
- Professora, não entendi.
- As revistas estampam campanhas publicitárias de acordo com o período em que...
- Não, não, professora: o que é estereótipo?

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