Sofia segue sem sentido, sentindo

Levantou-se sentindo-se suja. Dez banhos não seriam suficientes para tirar os resquícios. A cara inchada trazia-lhe os indícios de ontem. Haviam-na violentado; ainda buscava o motivo. Porque em vida tão calma habitava tão grande desassossego? De onde vinha o turbilhão de coisas que ela própria não sabia explicar? Já não podia mais falar. Já não cabia mais em palavras, já não fazia mais sentido.
Sentia raiva. Tanto rancor paralisava-lhe o cérebro. Ódio daqueles que, diferentemente dela, chegaram na frente. Dos que não tiveram medo. Dos que se exibiram, mostrando a cara, aceitando serem julgados. Ela, de tão subexposta, estava quase virando um espectro.

Enquanto pensa, os outros fazem. Pensa e sofre. Sofre e trava. O dia vai, enquanto entope-se de litros de chá de camomila. Quem sabe, assim, os nervos agüentam o tranco.

Posso morar dentro de mim? Parar de falar tudo aquilo que parece lógico e viver fechada? Já não somos todos uma fachada? Já que nada faz sentido? E sentimos em demasia? Ouvi alguém me dizer: “Preciso acreditar que vamos fazer isso dar certo”. Estamos o tempo todo querendo fazer algo dar certo, sem motivo algum. Como na foto de ontem em que aparecia quase transparente. Já sou quase um fantasma. Apenas existo por aquilo que produzo, sem isso não sou nada. E para que servem os textos de uma autora fracassada? Viver no limbo de nunca ter alcançado coisa alguma. Na angústia de sempre estar chegando. Sempre em segundo lugar. O primeiro já está tomado por alguém que não é tão boa como você. E a única coisa que resta fazer é injuriar. Para chegar em algum lugar demora um tempo. Eu só quero saber onde está esse lugar. E quanto tempo ainda falta. Alguém sabe me dizer?

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