Sofia estende umas verdades no varal

Hoje senti por não ter um lugar descoberto para estender minhas roupas molhadas. Desses quintais amplos, coloridos de grama, nos quais a luz bate sem pedir licença, o vento assobia suas canções arritmadas. Sol batendo e elas ali, atulhadas, umas em cima da outra, sem respirar, juntando bolor que nem pão de fatia guardado. Precisava de um varal, desses, de apartamento. Pensei em tudo que tive e nunca dei falta por não perceber que tinha. Talvez por não saber que, naquele instante, tivesse. Lembrei de quando não pude aproveitar o momento porque simplesmente ainda não era aquela que hoje sou.
Olho meu ontem.
Tentado entender uma parte do que já não parece nem mais que um dia participou de mim.
Camadas escondidas em uma mesma pessoa. Encolhidas, aturdidas. Assustadas. Atordoaram por precaução. Encontro um universo difuso. Estrela perdida, apagada. Amarelada.
- Antes eu achava que, sempre que era uma bosta, ia ser uma bosta pra sempre. Pelo menos agora sei que passa.
- Ainda bem.
- Ainda bem.

Comentários

Unknown disse…
Esse quintal eu tive o privilégio de ter na minha infância.
Grata pela gostosa recordação.
Silvana

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