Me leve hoje, amanhã pode ser tarde demais

Consuma-me, por favor. Neste caso, o “por favor” é dispensável; mais apropriado dizer: consuma-me! O imperativo torna tudo mais gostoso. E tem que ser agora. Não tenho tempo. O amanhã é tarde demais. Posso estar perdida, conto-lhe um segredo: já estou, sempre estive; apenas finjo que sei alguma coisa. Para parecer qualquer coisa. Qual é o caso com a realidade? Ou o descaso.

Não me basta uma vida, invento várias. Se minhas invenções multiplicadas fogem à minha própria noção de verdade, nisso não vejo problemas: publicizo para você.
E se você não acreditar de primeira, tenho tantos meios que meu cansaço vai acabar convencendo você, ou, pelo menos, a mim. Quem sabe mesmo a nós dois; não somos um? Criei tantas personalidades que já não sei mais por onde vão.

Grudo-me com quem vem, desespero-me com que vai. Fique comigo, por favor. Resta um gemido alto, desesperado, tentando gravemente desmistificar a irrealidade compressa. Quero por apenas um segundo conseguir respirar. Não posso ficar só: comigo mesma, não. O espelho me traz algo que não quero ver, você não vê? Eu nego a verdade porque ela machuca.

Não sei lidar com o desconforto. Compartilhamos a loucura do mundo imaginário. Em uma rede idealizada, apoiamos nossa dor. Padecer é bom, é o que nos engrandece, é o que nos liberta. E todos queremos ser livres. Deixe-me acreditar que posso ser aquilo que nunca serei, porque o que de fato sou me desagrada. Permita-me ser alguém pela vida de outro, porque a minha está difícil demais. Quero que você sinta-se tão infeliz quanto eu, e jamais lho direi.

Deixe-me ser fútil, pensar faz sofrer. O vazio intenso jamais será preenchido. Deixe-me pensar em quantos problemas posso inventar enquanto não tenho nenhum. Não me traga respostas enquanto não tenho perguntas. Acuada, vivo nos cantos, a olhar para dentro. Remoendo, me aflora o vazio, ardendo-me em feridas expostas. E isso me saca da inércia, deixando-me inerte.

Comentários

Espelho Meu disse…
nunca será tarde!...adorei o blog
abraços!! Nina
Dismael Sagás disse…
Ótimo texto! (e olha que não quero puxar o saco hein!)

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