A cada fio, Sofia desenrola-se

Na busca de fazer-se, sem que nem ao certo saiba o que, corre mais uma vez em busca da perfeita moldura, a qual, se bem posta, a lembrará, a cada reflexo no espelho, que não tardará muito em alcançar aquilo que pretende ser.
Certeira a tesoura corta fio a fio, alinhando-os simetricamente. Vai talhando dela este resto de tecido morto que já não lhe faz mesmo parte. Anseia em sua vida o novo, não quer mais depositado em si nem uma lasca daquilo que um dia já lhe fez parte. Admira o chão com um sorriso oblíquo: atirados ao solo, estão todos ali, como que saídos de um campo de batalha. Não se importa. Já não fazem parte dela. Juntando a sujeira, a vassoura, pouco a pouco, forma uma manta de pêlos, enquanto ela, encolhendo-se na cadeira, percebe o seu descompasso. Seus cabelos se vão e isso basta para que retorne a sua fragilidade. Seu anti-reflexo é trazido pelo improvável. O que lhe fez faz parte, e continuará fazendo, são as junções que formam um todo. Divisível. E multiplicável.

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