Sofia vê seu coração dividido lá de cima do avião: são milhares de luzinhas - de uma cidade cinza gigante para uma ilha azul pequenininha

Despedia-se de um lado. Um encontro, esperado por meses, aconteceria do outro. Em cada respiro profundo sabia que buscava muito mais do que abraços, trocas de palavras banais, tratava-se daquilo que abandonou enterrado quase ano atrás. A difícil transposição não se daria por terra, dessa vez seria aérea - acho que para acompanhar o coração, que nos últimos meses flutuava sem pesares. Passaria por alguns desafios: o maior deles seria deixá-lo. “Tudo bem, são apenas alguns dias”, pensava consigo mesma. “Nunca, ninguém me fez sentir assim. Noite passada, estava quase dormindo, não pude... Tive que levantar, acender a luz e escrever, estava pensando em ti... Quero a tua risada, misturada na minha respiração, fazendo-me sentir viva. Ainda tenho olhos arregalados, vai-se o medo, ando agora de mãos dadas contigo.”
Saiu assim, de sobressalto, às duas horas da manhã; pulou das cobertas quentes. Havia passado a semana anterior na mesma cama, de cama, febril. Sentia-se mal, o corpo doía. Tudo havia sido difícil: comprar a passagem, participar dos últimos compromissos, dar até logo para as amigas, fazer a mala. Teve que pensar em todos os detalhes. Tudo pronto, deram as mãos e foram para o aeroporto, não havia mais escapatória. O coração batia. O dele, o dela: palpitavam juntos. Saíram em cima da hora. Corre, acho que da tempo! “Tá bom! Vou muito rápido! Tchau!” O beijo foi curto, trocaram olhares. Correu, perdeu o vôo. “Mãe, perdi o avião...” O vôo atrasou, ou você perdeu o horário? “Atrasei mesmo”. Nessas horas não têm explicação. O tempo voou enquanto se faziam companhia na espera do próximo embarque. Passearam e conversaram. Discutiram e encontraram diferenças em seus mundos. Sentiram-se unidos, não concordando em tudo, o particular faz parte do todo - sendo, muitas vezes, só seu. Partindo, sentiu-se próxima. Estar presente quebra as barreiras do físico. Falar de algumas coisas pode ser fácil, desenrolá-las em realidade, difícil. Ele, para ela, estava desmontando seu frágil e quebradiço mundo imaginário - a princesa não estava mais presa na torre, nem padecendo do mal da loucura. As ilusões, junto com as desilusões, mesclavam-se em um misto de insensatez que já não mais lhe pertenciam. Escorriam para fora de si, como tinta vermelha no cabelo, na primeira vez que lava, depois de pintar. Vai deslizando pelo corpo, misturada com o champú, até desaparecer pelo ralo. O processo é lento e gradual: no início, purpuramente intenso, líquido vermelho, espesso, chega a manchar a toalha. Aos poucos vai clareando, rara cor de água de salsicha, até que, sem esperar, fica transparente. Lentamente, é possível abrir os olhos, tirar os óculos escuros, ou, pelo menos, trocar por lentes mais coloridas.
“Já viemos aqui hoje, não? Sabe... Uma vez, eu era bem pequena... Tinha que lidar com o sentimento de falta, ausência, sei que algumas coisas não se encaixam em palavras... Uma pessoa me ensinou o significado da palavra saudade. Ela me disse que não é tão ruim assim. Eu sofria, sentia falta, um buraco, um vácuo. Tive que aprender a lidar, crescer e ficar forte, mesmo sendo bem pequenininha. Então... No fundo, acreditei, a saudade não é uma coisa ruim, ela só quer dizer que queremos muito alguém que está longe.”
Chegada a hora, mais uma despedida. Dessa vez, vencidos os impulsos, finalmente, a menina embarca no avião. Adormece cansada. Sonhou escutando Bob, o Dylan: "She takes just like a woman. She makes love just like a woman. And then she aches just like a woman. But she breaks just like a little girl." Em cada ausência, sentia sua presença.

Comentários

Priscilla disse…
Dona Má,
as saudades ficam aqui tb. e se espalham pelos lugares. vai pra bahia tb. mas o bom é que tem hora pra acabar!!!
saudades,
fique bem,
bjs

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