Quem tem medo da felicidade?

Num dia simples descobriu que nada era complicado. E, por mais que tentasse buscar, já não encontrava sequer um motivo para amargar. Mesmo assim, para ela, tudo foi ficando mais complicado, com gosto de nada. Como viver com o que somos quando o que nos tornamos já não condiz com aquilo que sempre fomos? É melhor descartar um parte – aquela tida como peso morto, extirpar a maioria, ou aceitar e fazer do todo um tudo?

Já não é fragmento, mas também não é completo. É algo novo. Um novo que apresenta barreiras não impossíveis de serem transpostas, porque são reais. A realidade apresenta-se como novidade, novidade essa um tanto quanto desprovida de cores. Onde está a graça, se é que essa imaginada alguma vez existiu? Os desejos mais pungentes foram sempre resultado de alucinações profundas? E pra viver, é necessário delirar?

Como fazer pra seguir após realizar que você não padece de mal nenhum? Continua-se buscando outros, mais terríveis e patológicos? Deixa-se levar, mesmo tendo consciência desse círculo vicioso ou joga-se na imensidão de nada com os pés fincados no chão?

Deve-se abrir mão dos fantasmas tão companheiros, alguns comparsas de toda uma existência? E quem colocar no lugar? Deixar as assombrações pode abrir espaço para que um eu dê as caras e as cartas. Deixá-las significa dizer que agora quem manda sou eu. Não ter mais desculpas de que sou dominada. Significa saber que esse peso que sinto sou eu e mais ninguém.

Sempre pensei que entendendo isso me sentiria leve, no mínimo leviana. O caso é que sou tomada por um torpor que não se vai. Parece que ele é o meu novo companheiro. Já não penso em compartilhar sentimentos. Eles me parecem tão raros que melhor seria abandoná-los. Sei de pessoas que enterram caixas com seus pertences juvenis em um buraco bem fundo no quintal de suas casas. Eu os levo dentro de mim.

Temo saber que minha história me fez quem eu sou, ao mesmo tempo em que desse fato sinto orgulho. Não é que queira ser alguém além de mim, nem outra pessoa. Idealizo um melhor eu que não existe apenas para não olhar aquela que sou. Machucada e com feridas feitas por mim, busco uma condição ideal, sem me deixar ser de verdade, mesmo existindo em carne e osso – nem sempre em mente.

Vivo próxima ao que comumente acredita-se ser a felicidade; aquela, real.

Comentários

Luiza disse…
belo texto! parabéns!

Postagens mais visitadas